quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Cap. I - Tigela de sorvete

"(...)
    -Sabe garoto, eu já vivi muito. Tive ótimas experiências e algumas, infelizmente, lamentáveis. Mas, nunca me arrependi de ter tentado nada. NADA!
   -Sim, eu entendo. - disse o menino enquanto olhava para o céu, parecendo esperar alguma coisa. 
   Mas, não esperava. Apenas queria chegar logo em casa. As sacolas pesavam e ele sabia que a casa ficava longe dali. Era cada vez mais difícil ser gentil e educado.
   -...Mas, oras! Aposto que você não vai querer ouvir as histórias de um velho como eu!
   - Não, vovô! Gosto das histórias! - se estava ali, não faria mal algum se distrair com algumas histórias, certo?
   Até que para um final de tarde de sábado, a rua estava calma. A primavera estava chegando ao fim e logo esquentaria mais. 
   Não importava. 
   Nada importava. 
   Aquele sentimento nostáugico das férias, das tardes vagueiras, das crianças brincando nas ruas... 
   Ahh... aquele sentimento... 
   Não sabia defini-lo, mas, sentia-o, e era isso que importava.
   Enquanto voltava para a casa do avô, o garoto percebeu que, talvez um dia, sentiria falta desse sentimento. Sabia, também, que iria sentir falta das conversas com o avô. Assim como aquela que estavam tendo naquele momento.
   -... e quando percebi, estava com o pato, a arma e os figos na mão! 
   - Nossa! Que coisa maluca! Mas, sabe vô, estive pensando enquanto ouvia isso...
   - Minha história te fez refletir? Bom, pelo menos para uma coisa ela serviu, já que não conseguiu tirar essas rugas de preocupação do seu rosto!! - sempre conseguia encaixar uma anedota para quebrar um pouco o ar de seriedade de qualquer conversa.
   - Bem, estive pensando...
   Era meio indecoso falar essas coisas com seu avô afinal, ... bem, ERA SEU AVÔ! Talvez não entendesse aquilo. Poderia, também julgá-lo. Mas, e se já vivera isso? Queria acreditar que seu avó, em algum momento alucinado de sua juventude já distante, já tenha sentido aquilo que estava sentindo. Com essa crença, continuou:
   - ... bem, o senhor já passou por... quero dizer, o senhor já viveu muito! Não estou te chamando de velho!!! É que é meio constrangedor pra mim e...bom...
   -Calma, lá garoto! Estamos quase chegando em casa. Lá, sentamos com um boa tigela de sorvete de  limão e você me conta o que está te deixando assim. Tudo bem pra você?
    -Pode ser...
   Como recusaria uma 'boa tigela de sorvete de limão'?"